Maria Cota (1931-2023)/Carolina Carumas (1923-2011)
As obras assinadas por MC estão inundadas de um mistério, em cujo desvendar investi prolongado tempo.
Nas décadas de 80 e 90 do século passado, era possível adquirir obras de diferentes artesãos na feira semanal de Barcelos, sendo frequente as peças não estarem assinadas. As compras que se faziam na feira ou correspondiam à procura de artesãos já conhecidos, como os Mistério, os Cotas ou os Baraças, ou siglas e nomes eram deixados para outro plano de importância quando as aquisições se faziam impulsionadas por outros valores, como a originalidade, a cor ou, provavelmente, até a dimensão.
Era comum encontrar João Coto na feira. Ele, a mulher Isabel e uma das filhas, Maria Cota (Note-se: Cota e não Coto. A alcunha tem género e uma tradição de artesãos), tinham uma banca de venda que se apresentava, muitas vezes, como um “grande estendal”. Ali se podiam encontrar obras do próprio João Coto, da irmã Rosa Cota, da sobrinha Júlia Cota, e de outros artesãos da zona. Entre variadíssimas figuras, sobressaiam bem de uns músicos e de outros bonecos a representar atividades existentes na época. Estando assinadas por MC, ninguém dava grande importância ao autor, mas sim à expressão das obras, as quais devem ter sido criadas em alguma quantidade, já que existem colecionadores que as têm e vão aparecendo, aqui e ali, em feiras de antiguidades.
Serve este preâmbulo apenas para situar o leitor, já que durante longo tempo a identidade do autor das várias peças de figurado, enigmaticamente assinadas por MC, permaneceu difusa. Era um mistério que me desafiava e em cujo desvelar empreendi, e que não se provaria simples.
A sigla MC é profícua em possibilidades de nomes atribuíveis: Maria Carolina, Manuel Coto, Maria Celeste… Cada um deles uma pista que me apontou para diferentes caminhos, múltiplos contactos e vários meses de pesquisas. Por exemplo, no Museu de Pombal existem obras assinadas por MC associadas a um ceramista de nome Manuel Coto. Mas sobre Manuel Coto nunca encontrei qualquer referência.
A dada altura, tendo tido acesso ao arquivo do colecionador Carlos Barroco – uma gentileza da sua companheira Nadia Baggioli, a quem agradeço -, o qual tinha no seu acervo obras de MC, fotos da feira semanal de Barcelos, tiradas nos anos 80, onde localizei obras de MC à venda e encontrei uma intrigante referência a Maria Cota. Nessa nota era levantada a possibilidade de as peças serem da mulher de João Coto, informação que, como se percebe agora pelo preâmbulo, não se confirmaria, já que Maria Cota não era esposa, mas sim filha de João Coto. Foi, contudo, esta a pista que me levou a Barcelos, onde falei com muitas pessoas sobre quem seria esta mulher.
Numa dessas conversas, falei com a sobrinha de João Coto, Júlia Cota e a sua filha Prazeres Cota, dado terem o mesmo apelido.
Foi Prazeres quem me disse que Maria Cota era o nome pelo qual era conhecida Maria Emília Lopes da Rocha , filha de Isabel e de João Coto, nascida em 1931 no lugar de Sto. Amaro, na freguesia de Galegos Sta. Maria. Desde criança que, por via da família, Maria que tinha contacto com o barro, sendo costume acompanhar os pais na feira semanal de Barcelos. Não obstante, Júlia Cota não tinha qualquer memória de que a prima fizesse "loiça", assim como não se recordava de ter havido algum ceramista da sua geração que se chamasse Maria Cota.
Perante o que parecia ser um novo beco sem saída, Prazeres sugeriu-me falar com Ana Arantes, filha de Maria Cota, que mantinha a tradição de vender na feira semanal de Barcelos. Deveria, indicou-me ela, procurar uma senhora de “ar distinto e cabeleira exuberante, que vendesse loiça".
Foram necessárias várias visitas para que a conversa fluísse, já que Ana não ficou particularmente agradada quando, no primeiro contacto, lhe fiz perguntas sobre a mãe. Quando, num desses encontros, decidiu que era hora, disse-me que a mãe nunca tinha feito bonecos. Que procurasse falar com Rosa Carumas, indicou, pois seria a melhor pessoa para me dar informações sobre as obras assinadas por MC.
Rosa Carumas estranhou o meu contacto, e mais ainda o facto de a sugestão ter partido de Ana. Foram necessárias várias conversas, em diferentes ocasiões, para que a história se completasse.
Rosa Carumas, que na verdade é Rosa Simões - Carumas é a alcunha que recebeu por parte do pai -, revelou-me que era a sua mãe quem, nos anos 80, fazia os bonecos para Maria Cota, assinando-os com MC. Em sua opinião, tratava-se de um "negócio" bom para as duas partes e nunca haviam sentido a necessidade de qualquer esclarecimento acerca do tema. Em sua casa havia um pai que era ferreiro, onze crianças para alimentar e muita pobreza, pelo que a mãe, Carolina Lopes Coelho Ferreira (Carolina Carumas), procurou reforçar o parco rendimento do lar desta maneira.
Rosa lembra-se de, em criança, todas as quartas-feiras, vésperas da feira semanal de Barcelos, ela ou um dos 10 irmãos irem a casa de Maria Cota deixar um cesto de peças, todas elas assinadas por MC.
Também se recorda de a mãe, muito pontualmente, ter vendido ela própria algumas das suas obras na feira. Mas mesmo muito pontualmente, porque a lida da casa não lhe permitia e, quando aconteceu, foi bem coordenada para que as peças fossem diferentes das que entregava a Maria Cota e, acima de tudo, não estivessem assinadas.
Assim cheguei, finalmente, à conclusão do mistério por detrás de MC. Trata-se, afinal, do resultado de uma parceria entre duas mulheres, em que uma, qual “ghostpotter”, produz obra a que outra empresta o nome. Assim como o escritor fantasma não se revela, as "obras da Maria Cota" não deixam também de ser feitas por ela.
Maria Carolina (1923-2011), ceramista anónima, a ghostpotter que imortalizou as obras de Maria Cota (1931-2023).
Agradecemos a Rosa Simões (filha de Carolina Carumas), a Ana Maria Arantes (filha de Maria Cota) e a Prazeres Cota, a disponibilidade que demonstraram para desvendar este mistério.
Referências: Arquivo e crédito da foto na feira com João Coto e Maria Cota de Carlos Barroco
Crédito fotográfico da artista Carolina Carumas cedido pela filha, Rosa Simões.







